Fim de semana prolongado para pensar: o que estamos a fazer? Para que tipo de mundo estamos a contribuir?
Dec 06, 2025 5:27 pm
Há textos que não se escrevem por catarse. Escrevem-se por responsabilidade. Porque o silêncio, quando se prolonga, transforma-se numa estrutura. E estruturas que protegem comportamentos abusivos acabam sempre por produzir aquilo que mais temem: perda de confiança, perda de talento, perda de legitimidade.
Este fim de semana prolongado é um convite. Não à leveza — à lucidez.
Há uma estratégia clássica em dinâmicas de manipulação relacional: quando colocamos limites, o manipulador transforma o limite em afronta. E o problema — de repente — passamos a ser nós.
A Psicologia tem um léxico preciso para isto: gaslighting, inversão da culpa, manipulação coerciva, violação de fronteiras, intermitent reinforcement.
Padrões bem estudados. Padrões que não são acidentes. Padrões que têm género — porque a agressividade masculina continua demasiadas vezes a ser confundida com assertividade, e o desconforto das mulheres, com “drama”.
Conheço esta cartografia demasiado bem. Não por teoria — por experiência direta.
Fui alvo de alguém capaz do pacote completo da manipulação moderna em contexto de trabalho: sedução inicial, desregulação constante, mensagens a horas impróprias, agressividade intermitente, exigências sem enquadramento, tentativas de captura emocional. Tudo aquilo que, em Psicologia Organizacional, reconhecemos como um padrão de erosão de segurança psicológica.
Coloquei o limite óbvio: não trabalho com esta pessoa.
E o que aconteceu? O clássico. A organização deixou-se enredar no charme, normalizou comportamentos de risco, confundiu conflito com competência e minimizou sinais que, em qualquer diagnóstico sério, seriam bandeiras vermelhas imediatas. A pessoa fica, é substituída mas o problema continua.
Curioso — e dolorosamente previsível — foi ver duas turmas de professores seguirem o mesmo padrão clássico das dinâmicas manipulativas: silenciar, normalizar, deslocar a responsabilidade para a vítima. Nada de novo para quem conhece estes mecanismos há demasiado tempo.
Felizmente, outras duas turmas olharam para os factos com lucidez, ponderaram as provas e escolheram a via certa — a que não confunde barulho com verdade, nem sedução com integridade.
O resultado?
Dois projectos perdidos por causa do mesmo indivíduo.
Dois alertas ignorados.
Zero responsabilização.
E um sistema que prefere a estabilidade ilusória à coragem estrutural.
Mas deixemos isto claro: por morrer uma andorinha não acaba a primavera.
Uma organização pode ter pessoas profundamente éticas e, ainda assim, tolerar comportamentos que corroem cultura e confiança. É a dissonância entre valores declarados e valores praticados — a fissura por onde se perde o futuro.
A diferença, para mim, foi simples e estrutural: não sou trabalhadora por conta de outrem. Não dependo do silêncio para sobreviver. Não preciso de normalizar o que é, objetivamente, tóxico.
Posso fazer aquilo que tantas mulheres não puderam: recusar, documentar, não suavizar. Travar.
Faço-o por mim.
Faço-o pelas filhas das minhas amigas.
Faço-o pelas próximas gerações que merecem entrar num mercado de trabalho onde mensagens ao domingo, explosões de humor e manipulação encapotada não são confundidas com liderança. Ou, "no fundo é boa pessoa". Não somos garimpeiros de pessoas. Temos todos/todas de ser boas pessoas na superfície.
A ética não é decoração institucional. É arquitectura.
E os limites não são afrontas. São sistemas de segurança.
Quando uma mulher diz “basta”, não inaugura um problema.
Corrige-o.
Se este tema lhe fala — porque o viveu, porque o testemunhou ou porque lidera equipas e sabe que segurança psicológica não é moda, é indicador de saúde organizacional — convido-a/o a participar nas Aulas Abertas que vou conduzir sobre Psicologia, Ciência Emocional e Autoconsciência.
Inscrição gratuita mas obrigatória, aqui: https://endurance.pt/aulas
Porque mudar o futuro não começa com grandes revoluções.
Começa com um limite claro. E com a coragem de o manter.
Já agora, uma pergunta para pensar: o que anda a fazer? Para que tipo de mundo está a contribuir? Em que manipulações acede entrar e calar?
Com estima e votos de bom fim de semana.
#SegurançaPsicológica